Texto de Alisson Gutemberg


Bücherverbrennung é um termo que, no alemão, significa "queima de livros". De todo modo, para além de seu sentido próprio, enraizado, as palavras também se relacionam com os contextos sociais. Ferdinand Saussure, por exemplo, em seu clássico Curso de Linguística Geral, já chamava a nossa atenção para esse fenômeno. Veja o caso de Bücherverbrennung. Palavra que, em muitos casos, se tornou sinônimo de um evento específico: a queima de livros promovida pelos Nazistas em 1933. 

Ainda pelo terreno dos signos. Agora, no entanto, pelo campo da semiótica, Charles Pierce nos alerta para um fato: a existência dos signos necessita da capacidade humana de associações. Por exemplo: no nível da secundidade, o signo se manifesta pela experiência. O cheiro da pizza é um bom exemplo. A nossa mente, nesse caso, associa o estímulo olfativo ao objeto. De modo geral, tanto Saussure como Pierce - apesar de discordarem na categorização de seus respectivos conceitos (a semiologia funciona por um esquema de significantes e significados e a semiótica por uma lógica trifásica) - concordam em um ponto:  o signo é uma representação de algo. Desse modo, Farenheit 451, ao menos para mim, funciona como um signo que remete à Alemanha Nazista. 

Por outro lado, além de me remeter a um acontecimento histórico, passado, Farenheit também tem a capacidade de me fazer olhar para o presente. Nesse ponto, em específico, para a escalada autoritária, e anti-iluminista, que o Brasil tem vivido nos últimos anos. Veja: tanto o capitão da obra de Truffaut, como também o capitão do Planalto, desprezam os livros. O desprezo do  personagem torna-se evidente pela sua atuação profissional dentro do universo diegético, o do Presidente, por outro lado, se materializa em falas como: "os livros têm muita coisa escrita". E esse minha associação não para por aí.

Tanto os personagens do filme, como também os bolsonaristas, se embrenharam em uma cruzada quixotesca. Não por acaso, no filme, a primeira apreensão de Montag é de um exemplar de Cervantes. Do nosso lado, por sua vez, o herói pitoresco é quem melhor representa a cruzada bolsonarista. Veja, tal qual o cavaleiro ensandecido, tanto os bombeiros do filme de Truffaut, como também o cidadão de bem brasileiro, cada qual em sua cruzada particular, combatem "dragões" em batalhas desgastantes. Por aqui, a luta é contra a "ameaça comunista"; no filme, por sua vez, contra tudo aquilo que representa os livros.  Como os dragões de Quixote, no entanto, as ameaças não passam de moinhos de vento. O que dá o tom burlesco de um espetáculo ridículo. 

Por falar em Montag, a sua trajetória é interessante: no primeiro momento, como um bombeiro exemplar, a sua vida é ditada por uma vivência robotizada. Quando adentra ao universo da literatura, todavia, ele adquire uma dimensão humana. É interessante notar isso para perceber de que modo os regimes autoritários nos tiram a dimensão lúdica da vida. Isso fica muito evidente na narrativa. Por fim, Farenheit me deixa uma dúvida: em um avanço autoritário, qual o livro escolheria para guardar na memória? Muito provavelmente ficaria entre Crime e Castigo e Dr. Fausto.      


Fonte imagem: Farenheit 451(François Truffaut)  
  

Referências:


Semiótica - Charles Pierce (https://amzn.to/2XJtYgQ)

Curso de Linguística Geral - Ferdinand  Saussure (https://amzn.to/30m8R67)




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