Texto de Alisson Gutemberg



O cinema, como meio de expressão, constitui-se como propagador de uma carga simbólica significativa. E sua narrativa apresenta elementos do domínio do não verbal (a imagem, a música e os ruídos) e do verbal (diálogos e menções escritas). Aqui, me interessa como a música se organiza no filme O Céu de Suely (Karim Aïnouz); ou seja, a maneira como ela atua no contexto da narrativa fílmica. Isto é, na produção de sentido dentro do universo diegético.



Estruturalmente, os filmes são constituídos por um grande número de imagens fixas (fotogramas), que, organizadas em sequência, dão uma impressão de movimento. A base fundante do cinema. Fruto, nesse caso, de um “realismo” alcançado pelos materiais de expressão do próprio meio.


No que se refere ao som, em específico, ele também produz sentido dentro da narrativa cinematográfica. É importante colocar, inclusive, que a trilha de som, que compõe os filmes, é formada por diálogos, músicas, ruídos, efeitos etc. Aspectos que compõem os domínios do verbal e do não verbal. Neste texto, no entanto, irei me limitar a um aspecto da banda de som: as músicas (aspecto do não verbal). Precisamente na cena de abertura de O Céu de Suely.


Não é de hoje que a relação entre música e imagem em movimento estabelece associações dentro do nosso imaginário. Basta lembrarmos, por exemplo, de Psicose (Alfred Hitchcock) e a famosa cena do assassinato no chuveiro em que a composição de Bernard Hermann cria uma atmosfera de suspense eficiente. Outro exemplo é a relação da música Singin’in the rain dentro do filme Cantando na Chuva (Gene Kelly e Stanley Donen) e a sua ressignificação em Laranja Mecânica (Stanley Kubrick). Podemos mencionar, ainda, o fato de que a música também pode interferir no ritmo da montagem. Como acontece, por exemplo, em filmes de Eisenstein. A cena da escadaria de Odessa (O Encouraçado Potemkin), nesse caso, é um bom exemplo.


No que tange ao O Céu de Suely, em específico, a importância do som na narrativa é exposta logo nas cenas iniciais. Precisamente no texto que Hermila narra em voz off: “Matheus me pegou pelo braço e disse que ia me fazer a pessoa mais feliz do mundo, me deu um CD gravado com todas as músicas que eu mais gostava”. Há, nesse caso, uma ênfase sonora quando a personagem pronuncia a palavra CD. Em seguida, se observarmos bem, percebemos que o discurso das imagens, na cena de abertura de O Céu de Suely, é oposto ao da trilha de som; pois, estabelece uma relação ambígua com a mensagem imagética.



Nas imagens, enxerga-se uma atmosfera de felicidade, em meio a risos, beijos e abraços, que permeia o casal Hermila e Matheus. Quando, contudo, da mesma forma, se analisa a letra da música extra diegética que se imbrica às imagens, percebe-se que a canção, interpretada por Diana, fala sobre nostalgia, espera e separação. A música – nesse caso, diferente da imagem – antecipa o desenrolar da trama: enquanto as imagens colocam o casal, Hermila e Matheus, em momentos de felicidade; a canção, por outro lado, trata de solidão, ruptura. Exatamente o que ocorre no filme. Por isso, é preciso “enxergar”, muitas vezes, a trilha sonora com a mesma atenção que damos aos aspectos imagéticos: questões importantes da narrativa fílmica podem surgir a partir das canções executadas. Assim como ocorre em O Céu de Suely, por exemplo.

Fonte imagem: O Céu de Suely (Karim Ainouz)


Referência:

A audiovisão - Michel Chion (https://amzn.to/3eO2lZM)

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