Texto de Alisson Gutemberg

O que é a imagem cinematográfica? Certamente ela não é o real. Ainda assim, segundo Marc Ferro, por exemplo, todo filme, independente de ficção ou documentário, é um documento histórico que reflete a forma como os indivíduos de um espaço-tempo específico pensavam o passado, viviam o presente, ou, até mesmo, concebiam o futuro. Desse modo, como apontado por Bazin, há, inevitavelmente, uma certa vocação ontológica na imagem. Uma vocação realística do imagético, inclusive o cinematográfico, que, ao pensar como Ferro, sobressai até mesmo nos filmes mais ilusórios. Disso, é possível concluir, por exemplo, que um filme como Viagem à Lua, de Georges Méliès, gênese do cinema de fantasia, é também um documento histórico; pois, inevitavelmente, ele reflete a forma como os homens imaginavam a lua no início do século XX.

Por isso, para Morin, por exemplo, o cinema não registra o mundo concreto. O que faz, na verdade, é formular interpretações sobre ele. E penso o mesmo. No entanto, ainda assim, acredito que o cinema não só cria interpretações, por meio de enquadramentos; mas, através de suas formulações, também produz uma hiper-realidade (Referência a Baudrillard). Pensemos em interpretações cinematográficas sobre o exercício do jornalismo, por exemplo. Filmes como Rede de intrigas (Sidney Lumet), A Montanha dos Sete Abutres (Billy Wilder) e Fogueira das Vaidades (Brian De Palma) não captam a realidade da profissão, que é ampla e impossível de ser captada em sua totalidade. Logo, esse não é o objetivo dessas obras.

O que esses filmes fazem, na verdade, é salientar determinados temas do cotidiano da profissão. No caso das obras citadas, em específico, o recorte temático é a falta de ética. Certamente existe falta de ética no exercício do jornalismo, como em qualquer função; porém, o cinema amplia esse fato, pois faz dele um hiper-real ao enquadrar aspectos de uma realidade como representação do todo. Em Rede de Intrigas, por exemplo, há a irresponsabilidade que faz de Howard Beale uma espécie de profeta do caos. Há também o discurso sensacionalista e a busca sem limites pela audiência. São aspectos que atravessam o jornalismo televisivo, é verdade. Ao mesmo tempo, o telejornalismo não se reduz a esses elementos. O circo de horrores montado por Charles Tatum, em A Montanha dos Sete Abutres, não é diferente. Assim como o sensacionalismo de Peter Fallow em A Fogueira das Vaidades. Acontece algo semelhante, ainda, com a cobertura midiática da violência. Por exemplo: quem não se lembra que, em muitos casos, a vivência no Rio de Janeiro, e em outros grandes centros urbanos do país, é reduzida, pelo discurso jornalístico, ao imaginário do caos?

O cinema, desse modo, não é o real. É, na verdade, o seu espetáculo. O jornalismo também. Compreender isso é importante para sabermos o lugar da imagem, da representação, em nossa sociedade. Ela deve fomentar reflexões, e não aguçar um transe coletivo. Por isso, a cena em que Howard Beale conclama os telespectadores à janela, para gritar e proferir sua insatisfação com o mundo, é tão emblemática e importante. De todo modo, hoje em dia, diante das fake news, tudo isso parece tão “inofensivo".


Fonte imagem: Rede de Intrigas (Sidney Lumet)


Referências:


O que é o cinema ? - André Bazin (https://amzn.to/2ZbF9OH)

Cinema e história - Marc Ferro (https://amzn.to/2Z9H5HB)

O cinema ou o homem imaginário - Edgar Morin (https://amzn.to/2A463jh)

Simulacros e simulação - Jean Baudrillard (https://amzn.to/381kalP)

Nenhum comentário:

Postar um comentário